Por Thiago Goulart
De 1946 a 1950, Vinicius de Moraes viveu nos Estados Unidos, ocupando o cargo de vice-cônsul do Brasil na cidade de Los Angeles. Esse período lhe possibilitou entrar em contato com importantes personalidades dos meios musical e cinematográfico norte-americanos, e, principalmente, aprofundar sua relação com o estilo musical que viria a influenciar definitivamente a música popular brasileira a partir dos anos 50: o Jazz. É dessa fase da vida do escritor que trata o livro Jazz & Co. – Vinicius de Moraes.
É sabido o lado cinéfilo de Vinicius de Moraes por conta de sua longa carreira como crítico-cronista de cinema nos diversos jornais em que atuou no Brasil. No entanto, o que se descortina como algo inédito aos leitores do poeta é o seu contato com a música e os músicos norte-americanos na época em que assume o posto diplomático como vice-cônsul em Los Angeles, em 1946. Ali, na terra do cinema, o futuro bossa-novista encantou-se pelas suas potencialidades artísticas, travando contato com atores, atrizes, cineastas, grandes instrumentistas, líderes de Big Bands, cantores(as) e aficionados por Jazz.
Capa do livro Jazz & Co. – Vinicius de Moraes.
O livro Jazz & Co. – Vinicius de Moraes (Companhia das Letras, 2013), sob a organização do professor e crítico de literatura Eucanaã Ferraz, é dividido em três partes – com mais ênfase e fôlego na primeira, intitulada “Jazz jazz” – e com um lúcido e informativo prefácio do organizador.
Os anos em Los Angeles
Uma vez instalado em Hollywood, Vinicius de Moraes permaneceria por mais cinco anos revelando-nos suas paixões não só por meio de correspondências com o amigo, literato e poeta modernista Manuel Bandeira, mas também pelas suas anotações e ensaios realizados durante o período de 1946 a 1950. Assim, é possível notar por um lado, seu rápido e progressivo envolvimento com o cenário musical local e, por outro, seu desassossego face à sociedade norte-americana.
Para nos situarmos, numa carta datada de 14 de setembro de 1947, a imprensa norte-americana desperta a atenção de Vinicius por ser sensacionalista, além de ser chefiada por Willian Randolph Hearst (1831-1951), dono de um grande império da comunicação, anticomunista, perseguidor de minorias e imigrantes mexicanos. A título de curiosidade, a biografia de Hearst teria inspirado o cineasta Orson Welles, amigo de Vinicius e também amante do Jazz, a criar, talvez, o mais célebre de seus filmes: Cidadão Kane, de 1941.
(Vinicius de Moraes acompanhado do diretor de cinema norte-americano Orson Welles (centro) e de Alex Viany, cineasta brasileiro (à esquerda). Imagem: divulgação).
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A sociedade norte-americana, vista pelo olhar crítico do diplomata, era contraditória a ponto de fazê-lo se sentir isolado. Para exemplificar, em 1947 acontece o início oficial da “caça às bruxas” e inúmeros artistas são intimados a depor sob suspeita de ligações comunistas. Tal histeria ficou famosa pelo senador Joseph R. McCarthy, o qual acusava membros do próprio governo de estarem envolvidos em manobras subversivas.
Como forma de amenizar o estado de tensão que a sociedade norte-americana vivia, Vinicius encontrou o outro lado da moeda por meio da música, aproximando-se dos músicos brasileiros que lá estavam. Eram realizadas constantes reuniões na casa de Carmem Miranda, comparecendo figuras emblemáticas como José do Patrocínio Oliveira (o Zé Carioca) e o pessoal do Bando da Lua.
Além disso, frequentava boates entrando em contato com o mundo jazzístico. Por esse viés, o mundo norte-americano já não lhe parecia de todo ruim. O Billy Berg’s, por exemplo, clube de Jazz do qual Vinicius era habitué, foi um dos primeiros nightclubs integrados em Hollywood, ou seja, seus espectadores e músicos podiam frequentá-la sem a culpa de ser branco ou negro. Ali, Vinicius viu passar em primeira mão grande elenco do Jazz: Billie Holiday, Billy Eckstine, Louis Armstrong, Charlie Parker, Dizzy Gillespie, entre outros.
Influência do Jazz
O Jazz permitiu a Vinicius o contato com o que havia de mais genuíno numa sociedade cujo pensamento era uniforme. Não à toa, Vinicius debruçou-se em estudar o Jazz e sua origem, escrevendo um extenso ensaio intitulado “O jazz: sua crônica, seus homens, seus mistérios…”. O poeta vai a fundo chegando mesmo a ressuscitar o Spiritual, Blues, Work-songs, Prison-songs e os Hollers, todos eles afluentes que desaguariam no rio principal: o Jazz.
O referido texto apareceu na revista Sombra (Rio de Janeiro), em setembro de 1951, sob a colaboração de Marili Ertegun e Nesuhi Ertegun, casal de extrema importância para o desenvolvimento musical de Vinicius e fundadores da lendária loja Jazz Man Record Shop, frequentada por músicos e colecionadores.
(Bossa Nova: “namoro” com o Jazz. Da esquerda para a direita: o baixista Tião Neto, Tom Jobim, o saxofonista norte-americano Stan Getz, João Gilberto e o baterista Milton Banana em gravação do LP Gilberto/Getz. Imagem: Instituto Antônio Carlos Jobim).
Os anos hollywoodianos fizeram com que o poeta-diplomata digerisse o que seria, por volta de uma década depois, o movimento estético-musical Bossa Nova. Tanto é assim que Vinicius teve o privilégio de se encontrar num período em que houve o florescimento do West Coast Jazz, corrente jazzística que influenciou diretamente a Bossa Nova.
É emblemática a definição de Vinicius sobre o próprio movimento do qual foi o principal letrista: a Bossa Nova é “uma filha moderna do samba tradicional, que teve seu namoro com o jazz, sobretudo o chamado West Coast”. Daí seus representantes – Dave Brubeck, Chet Baker, Ornette Coleman, para ficar nos elementares – terem sido acolhidos e apreciados pelos principais integrantes da Bossa Nova e vice-versa.