Por Rosangela Lambert
Violeta Gainza nasceu em 1929, na Argentina. Pianista e educadora musical, fundadora do Fórum Latino-Americano de Educação Musical – FLADEM, é autora de mais de quarenta obras sobre Pedagogia da Música, Didática do Piano e do Violão, Conjuntos Vocais Infantis e Juvenis, Improvisação e Musicoterapia.
A improvisação na aula de música
Segundo Violeta Gainza, a improvisação é uma forma de jogo-atividade-exercício que permite a vivência e interiorização de elementos musicais para posterior expressão. Aprende-se, pois, a improvisar, improvisando. Trata-se de um processo construtivo. Este “jogo” pode ser compreendido sob três aspectos:
– Objetivos da improvisação (para quê se joga);
– Estímulos ou Materiais para a improvisação (com o quê se joga);
– Técnicas de improvisação (como se joga).
A improvisação pode ser livre ou dirigida e trabalha com distintos graus de intenção ou de consciência. O resultado pode, por isso, nem sempre ser coerentemente estruturado, porém sempre estará presente um ato expressivo de comunicação, utilizando dois canais de aprendizagem ao mesmo tempo – razão e intuição. Gainza faz uma comparação entre a educação musical e a educação em outras áreas:
“Não posso conceber uma educação musical e muito menos uma iniciação musical sem livre expressão. Por que haveria de ser a música diferente das outras artes, das outras linguagens? Não é fato que uma criança aprende a falar para poder expressar-se e pedir o que deseja, aprende a caminhar para mover-se à vontade pelo espaço e usa os lápis de cor para se entreter desenhando, rabiscando, inventando formas?”
O trabalho de improvisação abre espaço para o diálogo musical de forma expressiva e criativa; improvisar é, pois, inventar, é lançar-se na aventura do risco e da descoberta.
Objetivos da Improvisação (para quê se joga)
O jogo da improvisação permite ao aluno projetar e absorver ideias e elementos musicais que se transformam e amadurecem. Seus objetivos gerais são promover a descarga do aluno ao atuar, manipular, criar e recriar com os sons e incorporar sensações, experiências, conhecimentos, técnica, criatividade e sensibilidade.
É, pois, no exercício da improvisação que o aluno constrói suas ideias musicais, sem compromissos ou prévias exigências, expressando-se sem a preocupação de errar, deixando fluir sua imaginação e espontaneidade. Trata-se de uma experiência rica, na qual, além de apreender e internalizar conceitos musicais exercita o contato inter-humano, tornando-se mais sensível.
(Buenos Aires, 20 de fevereiro de 2015. Encontro com Violeta Gainza na \”Huella argentina\”)
Estímulos ou Materiais para a Improvisação (com o quê se joga)
O exercício da improvisação não está restrito a nenhum estilo musical em particular. Sua finalidade consiste em responder de maneira funcional a necessidades inerentes ao processo de aprendizado musical. Cabe ao professor identificar as necessidades de seus alunos, para que possa escolher adequadamente quais estímulos ou materiais irá utilizar.
Assim, uma proposta de improvisação pode ser desencadeada por estímulos de natureza musical – o som, o ritmo, a melodia, a forma, entre outros; extramusical, como a natureza, as cores, os objetos, instrumentos musicais; ou ainda regida por sentimentos, ideias, imagens e sensações. Não é necessário que se tenha estudado música ou que se tenha o domínio da técnica de um instrumento para poder improvisar com a voz, com o corpo, com um objeto sonoro ou com um instrumento musical.
Numa improvisação individual se fala sozinho. O indivíduo se auto-estimula na criação das ideias musicais que aos poucos vão surgindo. Em uma improvisação em duplas ou grupos, os participantes são instigados a ouvirem-se uns aos outros, o que pode ajudar na elaboração de uma improvisação mais ordenada ou coerente, podendo haver uma comunicação entre os improvisadores. Violeta Gainza explica:
“A improvisação musical é uma atividade projetiva que pode definir-se como toda execução instantânea produzida por um indivíduo ou grupo. O termo improvisação” designa tanto a atividade como seu produto.”
Técnicas de Improvisação (como se joga)
A improvisação pode ser livre ou dirigida. Na primeira, o aluno expressa suas ideias musicais de maneira livre, transportando os sons e a música para seu mundo; na segunda, os objetivos, regras, etapas, estímulos ou materiais, são pré-determinados pelo professor.
O jogo da improvisação pode começar de forma exploratória – como uma “garatuja musical” – ou de forma imitativa, se o jogador não tiver experiências anteriores. A atividade imitativa compreende uma gama de possibilidades, que vai desde uma alusão e variação, a uma reprodução fiel do material sonoro que se pretende imitar.
À medida que o aluno “joga” – improvisa – internaliza experiências, formas e conceitos musicais. Mesmo na prática imitativa, o aluno deve ser incentivado a acrescentar elementos próprios, a fim de que se desenvolva, pouco a pouco, o processo criativo. Dessa maneira o aprendizado da improvisação acontecerá de forma natural, ativa e em espiral, no qual os alunos constroem novas ideias ou conceitos a partir do conhecimento que eles já adquiriram por meio de diferentes situações e experiências anteriores. Fundamental é compreender que tudo é um jogo, uma pesquisa, uma exploração, na qual não há o erro e nem o feio. Sua maior importância reside no fato de fazer parte de um processo de desenvolvimento que valoriza o sensorial, o criativo e o emocional na estruturação da linguagem.
Durante o jogo de improvisação – individual ou em grupo – as regras podem ser:
– Abertas: têm caráter mais livre, de maneira que o aluno pode expressar-se usando os materiais disponíveis e inventar formas diferentes para tocar um determinado instrumento;
– Fechadas: têm caráter de lei e servem para fixar limites para a proposta;
– Simples ou Compostas: referem-se à quantidade de objetos ou elementos musicais que serão utilizados durante a improvisação;
– Única: como a regra fechada, tem caráter de lei, mas é mais específica que a regra fechada, ou seja, a improvisação deverá ser elaborada com um único elemento;
– Seriada: formada por regras secundárias que se sucedem à regra principal;
– Investigativa: o aluno deve manipular e pesquisar as possibilidades sonoras de um determinado instrumento ou objeto para posterior improvisação.
A improvisação é a manifestação de uma ideia musical que deve acontecer sem interrupções. O improvisador não toca nota por nota, mas pela audição, o exercício da improvisação estabelece um relacionamento imediato entre as imagens auditivas e os mecanismos motores da performance.
É, portanto, muito importante que o professor peça ao seu aluno que, do momento em que tocar a primeira nota, ou o primeiro som – no caso de objetos ou instrumentos percussivos – mesmo encontrando dificuldades durante a improvisação, só pare na última nota ou som. Só assim ele poderá aprender a desenvolver uma ideia musical e a acreditar na sua capacidade de construção na improvisação.
(Curso con Violeta Gainza no Conservatorio Superior de Música de Vigo)
Didática e Avaliação da Improvisação
O exercício da improvisação deve constar do planejamento elaborado pelo professor, o qual deve articular estratégias e atividades, levando-se em conta aquilo que o aluno sabe e o que deverá aprender. Dessa maneira, a prática da improvisação será carregada de significado, uma vez que estará contextualizada dentro da proposta da aula, juntamente com outras atividades, e não utilizada como uma atividade aleatória.
É importante, porém, que o professor esteja preparado para possíveis alterações de seu planejamento, ou seja, que tenha a clareza de que ele é norteador, mas deve ser flexível e ajustável à realidade. Isso quer dizer que um determinado exercício de improvisação poderá tomar um novo rumo no decorrer do encontro, não perdendo por isso sua importância.
A prática da improvisação requer um professor sem preconceitos musicais, que reconheça e valorize a riqueza da diversidade. No trabalho criativo, o professor deve estar pronto a ouvir mais do que falar, além de compreender que não existem respostas definitivas.
Em cada proposta de improvisação o professor deve ter bem claros os objetivos que quer alcançar e como organizar suas regras. Estas podem ser mais abertas no início e, à medida que os improvisadores adquirem vocabulário da linguagem musical e exercitam os jogos de improvisações, tendem a ser cada vez mais fechadas, como no exemplo a seguir dado por Gainza:
1. Improvisar uma melodia;
2. Improvisar uma melodia alegre;
3. Improvisar uma melodia em ritmo de valsa;
4. Improvisar uma melodia em La Maior;
5. Improvisar uma melodia em La Maior com acompanhamento básico de acordes;
6. Improvisar uma melodia em La Maior atentando para os parâmetros do som – altura, duração e intensidade;
7. Improvisar uma melodia em La Maior na forma A-B-A.
É importante que o professor não limite a atividade improvisativa a uma só ou a algumas poucas formas dirigidas ou livres a fim de não mecanizar ou estereotipar a prática da improvisação. Gainza afirma que:
“Se se utiliza a improvisação de forma mecânica, ou “por decreto”, ela perderá a maior parte de sua essência e sentido.”
Sem perder de vista o caráter pessoal da improvisação, é interessante que o professor troque considerações sobre o resultado do trabalho com os alunos, perguntando sobre que facilidades ou dificuldades surgiram, se a proposta foi atingida, o que faltou, o que sobrou, os porquês e como os alunos se sentiram durante o jogo. Numa proposta cujo ponto de partida é a criatividade, as dificuldades devem ser consideradas como parte do processo de aprendizagem e uma mostra do estágio em que o aluno se encontra. Segundo Violeta Gainza:
“Expressar-se é, pois, mostrar tanto as deficiências quanto as capacidades”
Enfim, as técnicas de improvisação introduzidas adequadamente ao longo do processo de educação musical contribuem para que se alcance a tão almejada integração do fazer com o sentir e o conhecer.
Violeta Gainza no Brasil
Gainza esteve no Brasil por mais de uma vez, como no Seminário Iberoamericano de Educação Musical e Inclusão Social, em 2009, no 6º Encontro Nacional das Escolas de Música – CAEM, em 2011 e no Encontro de Educadores Musicais na Teca Oficina de Musica, em 2014.
(Um vídeo da oficina com Violeta Gainza na CAEM em SP).
(Na foto, Violeta Gainza e Rosangela Lambert no encontro da CAEM em SP)