Por Rosangela Lambert
A fim de continuarmos a reflexão proposta no artigo anterior “Música: como explicar?“, gostaríamos de discorrer sobre inovações que aconteceram no mundo da música, principalmente a partir do século XX: a abertura do mundo sonoro, o uso de novos instrumentos e materiais não convencionais e a ampliação de critérios a respeito dos componentes da obra musical.
A música do Século XX
A música do século XX constitui uma longa história de tentativas e experiências que levaram a uma série de novas tendências, técnicas e, em certos casos, também à criação e à utilização de novos sons, materiais que viriam a contribuir para uma ampliação do conceito do que vem a ser “música”.
Seria adequado dizer que tantas mudanças e novas experiências representam reações ao estilo romântico do século XIX? É fato que certos críticos da época descreveram a música do século XX como “antirromântica”. Dentre as tendências e técnicas mais importantes da música deste período encontram-se
Impressionismo, Atonalidade, Microtonalidade, Expressionismo, Música Concreta, Música Eletrônica, Serialismo, Politonalidade, Neoclassicismo, Música aleatória e o Jazz.
Vale ressaltar, porém, que nem todos os compositores deste século usaram técnicas “radicais”, mas continuaram a compor de acordo com o estilo romântico, embora tenham utilizado certo grau de “novidade”, como o uso de dissonâncias, antes consideradas inadequadas.
Podemos afirmar que a música deste período deve ser dita no plural, pois se apresenta como uma mistura complexa de muitas e diferentes tendências.
Algumas características marcantes desta “nova” música
Ao investigarmos quatro importantes componentes da música, encontraremos nas obras deste período, características que as definem como “novas”, a saber:
As melodias incluem grandes diferenças de altura, com uso de intervalos cromáticos e dissonantes. São curtas e fragmentadas, ao invés de longas e sinuosas, como no período romântico; também houve composições sem melodias;
As harmonias apresentam dissonâncias – antes evitadas, tensões e uso de clusters (notas adjacentes tocadas simultaneamente);
Os ritmos contêm figuras sincopadas, métricas inusitadas, mudanças de métrica, bem como o emprego de polirritmias – diferentes ritmos ou métricas ocorrendo ao mesmo tempo;
Os timbres incorporaram sons “estranhos”, intrigantes ou exóticos, o emprego de sons desconhecidos tirados de instrumentos já conhecidos, além do emprego de sons inteiramente novos, provenientes de aparelhagem eletrônica ou outras fontes sonoras.
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Alguns Compositores ou Músicos Importantes que utilizaram “novos sons” e “novos materiais” em sua música:
Igor Stravinsky (1882-1971), compositor, pianista e maestro russo. Dono de ideias musicais subversivas contribuiu para a mudança de pensamento de diversos compositores posteriores, alargando fronteiras da estética musical. Sua obra “A Sagração da Primavera” (1913), obra que evidencia a renúncia ao universo da lógica e da objetividade, provocou um motim em sua estreia devido ao uso de dissonâncias, do valor conferido à percussão, dos aspectos harmônicos e timbrísticos impraticáveis no contexto do momento.
“Minha música é melhor compreendida por crianças e animais.” (Stravinsky)
Heitor Villa-Lobos (1887-1959), músico e compositor brasileiro, destaca-se pelo uso de uma linguagem peculiarmente brasileira em suas obras, utilizando nuances das culturas regionais, com elementos populares, indígenas e da natureza, como o canto de pássaros. Também fez combinações de instrumentos até então não usadas.
“Não escrevo dissonante para ser moderno.”
“Sou brasileiro e bem brasileiro. Na minha música deixo cantar os rios e os mares deste grande Brasil. Eu não ponho mordaça na exuberância tropical de nossas florestas e dos nossos céus, que transporto instintivamente para tudo o que escrevo.”
(Heitor Villa Lobos)
Leroy Anderson (1908-1975) foi um notável compositor norte-americano. Em 1950 compôs a obra “The Typewriter”, um concerto para orquestra e uma máquina de escrever.
John Cage (1912-1992), compositor, teórico musical, escritor e artista americano. Foi um dos pioneiros a usar instrumentos não convencionais, bem como o uso não convencional de instrumentos já existentes. Sua obra mais conhecida é 4’33”, composta em 1952. Os músicos não tocam nada durante o tempo especificado no título, ficando apenas quietos, diante do instrumento. O conteúdo da composição não é quatro minutos e trinta e três segundos de silêncio, mas de sons do ambiente ouvidos pelo público durante a audição.
“Eu não consigo entender porque as pessoas estão com medo das novas ideias. Estou com medo das antigas.” (John Cage)
Hans Joachim Koellreutter (1915-2005), compositor, professor e musicólogo brasileiro de origem alemã. Além das técnicas tradicionais europeias, incorporou em suas composições elementos microtonais, da tecnologia eletrônica, do serialismo e da música brasileira. Para mais informações, acesse o artigo que escrevi sobre Koellreutter clicando aqui.
“Aprendemos as regras tradicionais para poder transgredir ou contrariá-las.” (H.J. Koellreutter)
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Hermeto Pascoal (1936), compositor, arranjador e multi-instrumentista brasileiro. “Inventor” de sons originais para criar ou recriar música, organizando-os à sua vontade. Um “homem-orquestra”, como já foi chamado, tocador de instrumentos convencionais e não convencionais, onde todos têm igual status e importância.
“Os objetos têm sons. Estão só esperando para serem usados como instrumentos”.
“Os sons estão em toda parte. Se a música é feita de sons, por que não pode ser feita com os sons dos objetos?”
(Hermeto Pascoal)
Stomp (criado em 1991) é um grupo inglês de percussão e reúne artistas de várias nacionalidades. Realizam performances, produzem sons e ritmos musicais, utilizando sucatas e objetos diversos, como plástico, metal, madeira, vassouras, caixa de fósforos, latas de lixo, entre outros. Além disso, seus componentes transforam o próprio corpo em instrumento de percussão.
Pedro Consorte, integrante do grupo, fala de sua experiência quando começou os ensaios:
“Quando comecei a participar do treinamento para me tornar integrante do show internacional STOMP, tive muitas (re)descobertas em relação ao mundo da música. A mais óbvia de todas foi que a música não dependia necessariamente de instrumentos musicais convencionais.”
Barbatuques (criado em 1995 por Fernando Barba) é um grupo paulistano que desenvolveu uma abordagem sobre a música corporal, explorando timbres e procedimentos criativos. Em suas apresentações o grupo utiliza diferentes técnicas de percussão corporal, percussão vocal, sapateado e improvisação musical.
Para uma conclusão… será?
Como apontado inicialmente, é preciso considerar que, no universo musical da contemporaneidade, estão presentes diversos estilos e materiais sonoros diferentes, com produções híbridas que entrecruzam diferentes linguagens. Trata-se de um processo dinâmico, sobretudo, “em aberto”!