Por Carolina Saccomano
Essa questão foi abordada na Oficina “EDUCAÇÃO MUSICAL NO SÉCULO XXI: ATIVIDADES CRIATIVAS E TECNOLOGIA EM SALA DE AULA”, que aconteceu durante o Festival Amazônia Eco Música 2025. Realizada em agosto de 2025 no CEP de Música Walkiria Lima, em Macapá/AP e destinada a professores de música e licenciandos, a oficina trouxe reflexões sobre o papel do professor e sobre a relação entre as práticas herdadas do ensino tradicional e as novas metodologias/ferramentas que podem ser utilizadas com proveito e dialogar com as necessidades atuais dos alunos.
Como tratar, em sala de aula, as vivências dos jovens nativos digitais de modo a utilizá-las em favor de seu desenvolvimento musical?

“A oficina me atraiu por ser algo que dialoga diretamente com o perfil atual de aluno. Tivemos acesso a ferramentas, apps e programas que facilitam etapas, que proporcionam novas formas de atingir objetivos como dinâmica atrativa. Também percebi os direcionamentos para a questão afetiva dos alunos, individualidades, vontades e interesses, no sentido de dar mais leveza e incentivar o aprendizado.”
Ewerton Lages dos Santos – Professor de Prática Instrumental – Flauta Doce, Teoria Musical e Solfejo, percepção e estruturação do CEP Walkiria Lima.
O modelo tradicional do ensino musical é pautado em uma transmissão vertical do saber: o aluno aprende o que o professor tem a lhe oferecer, acumulando conhecimento teórico dentro de um padrão conteudista.
Uma das reflexões que surgiram foi a de que, diante das grades curriculares e dos conteúdos programáticos a serem respeitados, as vivências e os objetivos de cada aluno não encontrariam espaço suficiente.
É inegável que o modelo tradicional tenha gerado, ao longo do tempo, músicos competentes. Mas, enquanto educadores, precisamos nos preocupar com o número de estudantes que abandonam a sala de aula por não encontrar, nela, algo que vá de encontro às suas necessidades e expectativas pessoais.
Uma das problemáticas enfrentadas pelo modelo de ensino tradicional, reside no fato do aluno não se identificar totalmente com ela. Graças a ferramentas como YouTube, redes sociais e aplicativos acessíveis fora do ambiente escolar, o aluno que se aproxima ao estudo da música descobre um acesso fácil a informações, assim aprendendo música fora da sala de aula. Muitas vezes, porém, essas informações são desconexas e fragmentadas. Assim, o aluno acaba construindo “alicerces em solos de areia”. O papel do professor se torna, portanto, o de oferecer uma base sólida e estruturada de conhecimento, ao mesmo tempo em que deixa entrar, no ambiente escolar, as experiências trazidas pelo aluno. É necessário que o professor consiga mediar entre o ensinar e o educar. Ensinar é transmitir conhecimento; educar é formar pessoas.
Nesse sentido, um bom educador precisa ensinar com excelência, mas também educar com responsabilidade, porque o aprendizado só faz sentido quando se integra ao desenvolvimento humano. No campo da educação musical do século XXI, se torna, assim, importante integrar as experiências trazidas pelos alunos (às vezes desafiadoras para o professor) com os conhecimentos pautados pela instituição de ensino. O uso da tecnologia pode ser uma ferramenta útil para construir uma ponte entre a escola e o aluno.

“Os debates provocados na Oficina no que se refere à Inteligência Artificial, provocaram muita reflexão. O Educador musical deve enfrentá-la consciente, afinal, a IA é uma tecnologia ‘nativa’ própria dessa geração. Em contrapartida, devemos, enquanto educadores que inspiram, que incentivam a autonomia, que se posicionam ética e criticamente, nos comprometer em nos capacitar, conhecer e manipular o uso ‘racional e limitado’ da máquina. Afinal, nada substitui a mente humana.”
Nazaré Azevedo, Pesquisadora, Regente e Educadora Musical do CEP Walkiria Lima.
E é nesse processo de aprendizagem, onde o aluno é protagonista, que o professor passa a ser um educador-curador, que zela pelo desenvolvimento do aluno, e um educador-mediador que ajuda o aluno a navegar pelo excesso de conteúdos fragmentados disponíveis na sociedade atual.
O papel do professor do século XXI, portanto, se torna o de facilitar a criatividade e a autonomia, temas esses tratados, na maioria das vezes, como tabus na educação tradicional, onde as experiências musicais não encontram apoio para a inspiração, a apropriação subjetiva e as reflexões conscientes.
Não se trata de “remover os marcos antigos” (Provérbios 22:28), ou de “abandonar tradições”, mas de acrescentar novas perspectivas, construindo pontes entre o passado e o presente, sempre objetivando o futuro. Uma das atividades que podem ser trabalhadas em sala de aula é a improvisação.
De acordo com a educadora Violeta de Gainza (1929-2023), a improvisação é usada como jogo para vivência e interiorização de elementos musicais. Hoje podemos ir além da visão da educadora, pois a improvisação deixou de ser apenas uma experiência de atividades musicais infantis, podendo ser vista como elemento de composição e releitura de aspectos estéticos musicais. É importante que a improvisação não seja uma experiência jogada a esmo, mas que exige técnica e estudo da gramática musical em suas vertentes mais amplas.
Se bem conduzida, a improvisação pode ser uma ótima ferramenta para acompanhar o desenvolvimento musical do aluno em cada etapa de estudo. Para muito além dos jogos infantis, a improvisação estimula o aluno na apropriação das linguagens musicais, da gramática tonal, na composição e, obviamente, dos processos criativos.
Na evolução das novas metodologias musicais, temos o aluno que, conduzido pelo professor, aprende as técnicas para buscar sua autonomia musical. Cito, a esse propósito, o trabalho do professor Turi Collura, pesquisador na área da improvisação.

Outro debate instigante, durante a oficina, foi sobre o processo avaliativo. Como avaliar de forma objetiva, não apenas técnica, transformando-a em instrumento formativo? É importante, para uma Educação Musical do Século XXI, que a avaliação não seja apenas classificatória.
“A oficina se mostrou muito produtiva: pontos de vistas, perspectivas tanto dos professores quanto dos alunos diante dos mecanismos, ferramentas e metodologias que são utilizadas no dia a dia em sala de aula.”
Ewerton Lages dos Santos.

Foto: Adan Lucas @namedelescor
Assim, a Educação Musical no Século XXI é certamente mais tecnológica, pois o processo de aprendizagem se beneficia de ferramentas apropriadas para o estudo e o desenvolvimento de múltiplas esferas. Também é mais criativa, tornando o aluno um alquimista, um “experimentador de possibilidades sonoras”. Vem à nossa mente, por exemplo, o músico Jacob Collier. Multi-instrumentista, compositor e improvisador, ele baseia suas produções musicais em experiências sonoras pessoais, explorando as tecnologias ao mesmo tempo em que possui sólidos conhecimentos musicais.
Integrando os recursos digitais em sala de aula e a criatividade, a Educação Musical do Século XXI se torna mais humana, oferecendo ao aluno autonomia, de modo que não seja apenas um repetidor de partituras. Em um momento de constantes mudanças, o educador musical conduz o aprendizado sem perder de vista a essência da música entendida como experiência estética e humana.
