Por Turi Collura
Quero tratar de um assunto que frequentemente se apresenta em sala de aula durante os estudos de harmonia: o conceito de acordes relativos e antirrelativos, com sua ideia do parentesco funcional entre acordes que estão ligados entre si por intervalos de terça.
Encontramos isso em várias publicações exposto dessa forma:
A letra “r” indica o acorde relativo, enquanto a letra “a” indica o acorde chamado antirrelativo.
Segundo essa lógica, a Tônica (I) tem seu acorde relativo no VI grau (Tr) e seu antirrelativo no III grau (Ta).
A Subdominante tem seu acorde relativo no II grau (Sr), e seu antirrelativo no VI (Sr – esse último acorde teria uma função dupla, tanto de tônica assim como de subdominante).
A Dominante tem seu acorde relativo no III grau (Dr) e seu antirrelativo no VII (Da). Sendo assim, o acorde sobre o III grau teria uma função dupla, de tônica e de dominante. Logo podemos observar certa dificuldade em aceitarmos o acorde sobre o III grau como tendo função de dominante).
Segundo essa visão, os três acordes principais (T, S ou D) estenderiam a sua função para seus acordes relativos e antirrelativos.
É importante fazermos algumas considerações a respeito:
Hugo Riemann
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Esses conceitos são oriundos da teorização de Hugo Riemann (1849-1919), teórico e compositor alemão que desenvolveu a teorização das funções harmônicas – iniciada por Jean-Pilippe Rameau – criando um sistema de análise musical muito detalhado que pudesse dar conta de decodificar a sofisticação harmônica da música culta do final do século XIX.
As teorias riemannianas foram introduzidas no Brasil no começo do século XX. O maior responsável foi Hans-Joachim Köellreuter (1915-2005), compositor e professor de origem alemã que se estabeleceu no Rio de Janeiro em consequência da perseguição nazista.
Os termos originais utilizados por Hugo Riemann para definir os conceitos de relativo e antirrelativo eram: “Parallelklänge” (paralelo) e “Leittonwechselklänge” (que não poderia ser pensado como anti-paralelo, mas sim, talvez, como “acorde de contraste” – em inglês “leading-tone contrast chords”).
Mas a questão importante não diz respeito à terminologia (paralelo/relativo ou contra-acorde/antirrelativo). É preciso observar que a concepção de Riemann era algo bem mais complexo – e já por isso diferente – do que ficou no uso comum. Não cabe aqui nos estendermos sobre a teoria riemanniana, a qual, sozinha, pediria meses de estudos profundos. Vamos porém observar um detalhe simples, com base no que já estudamos: segundo a lógica do parentesco funcional dos acordes relativos e antirrelativos, o V grau poderia estar representado ou substituido pelo III e pelo VII graus, o que, de fato, excluímos em nossos estudos anteriores.
Mas então, isso quer dizer que “na prática a teoria é outra”
Poderíamos ser levados a concluir que existe uma divergência entre a teoria e a prática, isto é, entre a visão teórica apresentada em alguns manuais de harmonia e a realidade, constituída pela prática dos compositores de música popular, tanto no âmbito da MPB como do Jazz, por exemplo.
Hans-Joachim Köellreuter
Verdade seja dita, a questão é que a teoria riemanniana, ou as mais recentes teorias neo-riemannianas, que se desenvolveram a partir da primeira, têm muito pouco a ver com a ideia de acordes relativos e antirrelativos como estamos acostumados a vê-los, tratados de forma pouco aprofundada.
Para encerrarmos esse assunto, fazemos aqui apenas uma consideração: as noções de “Parallelklänge” (paralelo) e “Leittonwechselklänge” não se limitam ao âmbito diatônico, abrindo relações com acordes ligados, entre si, por afinidades de terça. Por exemplo, o acorde de Dó maior, poderia estar ligado, por afinidade de terças, a um número maior de acordes:
No Curso de Harmonia Aplicada à Música Popular, temos oportunidade de aprofundar esse estudo. Por enquanto, aqui baste o que dissemos, e que isso possa servir para sanar algumas dúvidas que frequentemente vivenciamos em sala de aula ou ao consultar alguns manuais de harmonia, especialmente no que diz respeito à função de dominante, que, na prática, não é representada pelos acordes III e VII da tonalidade diatônica maior.
Até a próxima!