Por Elvio Filho
É possível cores e formas de uma pintura sugerirem sons musicais? Para o pintor russo Vassíli Kandínski, sim. Boa parte de sua obra foi inspirada pela música, e ele próprio acreditava que as cores combinadas formavam “acordes visuais”.
“Nossa capacidade de escutar as cores é tão precisa… As cores são um meio de exercer uma influência direta na alma. As cores são o teclado. O olho é o martelo. A alma é o piano com suas muitas cordas. O artista é a mão que deliberadamente faz a alma vibrar por meio dessa ou daquela tecla. Assim, é claro que a harmonia das cores somente pode ser baseada no princípio de tocar a alma humana.”
A reflexão acima, concebida pelo pintor russo Vassíli Kandínski (1866-1944), parece ser uma síntese das premissas que norteariam toda a sua produção artística, ao longo de seus 50 anos de carreira como artista. Considerado o pai do puro abstracionismo moderno nas artes, Kandínski produziu uma obra que, por meio de cores e formas, buscava provocar sensações no espectador ou, como se verá, mais propriamente uma mescla de sensações distintas.
Sinestesia
Embora a pintura artística trabalhe majoritariamente com formas e cores, Kandínski acreditava piamente que ela tinha o poder de suscitar sensações outras que não apenas o reconhecimento visual do que está presente no quadro. Para ele, cores e formas poderiam, entre outros, evocar elementos musicais e suscitar sonoridades. Sobre essa capacidade sinestésica da pintura ele afirmaria: “Pintar é detonar um choque de mundos diferentes”.
O pintor russo Vassíli Kandínski
No caso específico de Kandínski, elemento marcante e quase sempre presente em sua obra é a música. Tanto é assim que o próprio pintor daria a alguns de seus trabalhos nomes que remetem ao universo musical: é o caso das Composições e Improvisações, por exemplo. Mas não apenas os títulos sugerem essa relação, ele de fato afirmava e acreditava que a combinação entre as diferentes tonalidades de cores formavam “acordes visuais”.
No entanto, não foi Kandínski o primeiro a ver a arte como uma sintetizadora de sensações de caráter diverso, o que não tira, obviamente, o mérito e a importância de sua obra.
A sinestesia no mundo das artes
Como lembra o compositor Gerard McBurney, em seu artigo Wassily Kandinsky: the painter of sound and vision (The Guardian, 2006), explorar a barreira entre o visual e o sonoro não é novidade. O que acontece é que a partir do final do século XIX e início do XX, isso se torna uma espécie de obsessão para artistas – sobretudo, vanguardistas, interessados em romper com a simples representação do real.
Exemplos disso não faltam: Rachmaninoff com seus Études-Tableaux (Estudos-Pinturas, oula um deles abaixo.); Debussy com sua música “impressionista”, equivalente sonoro das pinceladas de Monet e outros representantes dessa escola; e Mussorgski com seu Quadros de uma Exposição, representação musical criada pelo compositor inspirada em uma exposição por ele visitada. Isso para citar apenas alguns exemplos.
Voltando a Kandínski, vale ressaltar que este nutria uma íntima amizade com o compositor Arnold Schoenberg, criador do sistema dodecafônico. Os dois compartilhariam dos mesmos ideais em relação à arte – romper as barreiras – e influenciariam um ao outro.
Mas tendo em mente todos esses exemplos, tanto de músicos que “compunham pinturas” e de pintores que “pintavam música”, alguns podem se perguntar: afinal, são sons ou cores e formas?
A resposta: são sensações!
A “magia” da arte abstrata está justamente no mundo de possibilidades interpretativas que ela abre aos espectadores. Para cada um destes ela possui um sentido único, que é determinado por toda a bagagem subjetiva que acompanha o indivíduo. Como afirmou Sérgio Maduro em seu artigo Kandínski, um russo da gema em São Paulo (Gazeta Russa, 15 de agosto de 2015):
“Assim, no lugar de uma casa, o quadro apresenta formas volúveis, abstratas e com tons inusitados, que convidam o espectador a utilizar sua potência associativa para montar a própria interpretação.”
Algumas das obras de Kandínski
Composição VII (1913)
Composição VIII (1923)
Improvisação 33 (1913)
Improvisação (1914)