Por Elvio Filho
Quem “inventou” o jazz? Qual a origem da palavra “jazz”? Qual foi a primeira gravação? Quem compôs a música?
Interessar-se por algo é se interessar também por sua história. Por isso, se você é um daqueles que cultivam uma profunda paixão por uma área específica – um aficionado –, certamente há de concordar que algumas perguntas relativas às origens daquilo que ama vão inevitavelmente surgir – muitas delas sem resposta (ou com várias supostas respostas), no entanto. Mas isso apenas deixa o debate mais instigante.
Com o jazz isso não é diferente. Que verdadeiro amante desse gênero musical nunca se perguntou de onde ele veio, como começou e até mesmo quem o inventou?
Pois bem, para saciar – ou, em vez disso, aguçar ainda mais – a nossa curiosidade sobre algumas dessas questões quando o assunto é jazz (digo “nossa” porque eu me incluo no grupo de aficionados), seguem abaixo alguns fatos históricos. E aproveitando que 2017 marca o centenário do primeiro registro fonográfico do jazz, já uma fundamental pergunta se impõe:
Quem compôs o primeiro jazz a ser gravado?
Eis uma pergunta sem resposta. A história em torno da questão, no entanto, é curiosa.
No dia 26 de fevereiro de 1917, a música Livery Stable Blues seria gravada pela Original Dixieland Jass Band, entrando para a história como o primeiro jazz a ser gravado. E foi um sucesso. Mais de um milhão de cópias foram vendidas. Se o número impressiona mesmo nos dias de hoje, que dirá numa época em que a maior parte das pessoas ainda preferia comprar partituras em vez de gravações.
Após isso, muita gente apareceu afirmando ser o verdadeiro autor da música, gerando, naturalmente, uma disputa judicial. Mas o mais interessante disso tudo é o desfecho do caso: o juiz que presidiu o processo sentenciou que uma vez que a música era de “mau gosto” e composta por pessoas que não sabiam ler nem escrever partitura, ela seria considerada de “domínio público”, sem nenhum autor responsável por ela. E ficou por isso mesmo.
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Ao leitor atento não devem ter passado despercebidas duas palavras proferidas pelo juiz: mau gosto. E, a partir delas, claro que outra questão surge.
Storyville, bairro de New Orleans, no começo do século XX.
O jazz foi associado aos bordéis existentes no local.
O jazz foi bem aceito pela sociedade em seu início?
A resposta é: depende. Pelos conservadores de todo tipo certamente não. Como lembra Christian Blauvelt em seu artigo The mysterious origins of jazz (BBC Culture, 24/02/2017), o jornal The New York Times “publicou editorial após editorial no final da década de 10 e ao longo de toda a década de 20 alertando sobre os perigos do jazz, o qual era historicamente associado com os bordéis onde era inicialmente tocado”.
Alguns meses depois de Livery Stable Blues ter se tornado um sucesso, a Storyville red light district, região de Nova Orleans que abrigava muitos bordéis e que era até então “tolerada” pelos administradores da cidade, foi completamente destruída.Ainda, o pianista Edward Baxter Perry (1855-1924) diria sobre o ragtime – e, por extensão, sobre o jazz, pois ainda não havia uma distinção muito clara entre os estilos:
“[ragtime] é síncope enlouquecida. E suas vítimas, em minha opinião, somente podem ser tratadas da mesma forma que cães raivosos, com uma dose de chumbo. Se isso é apenas uma fase passageira em nossa decadente cultura artística, ou uma doença infecciosa que veio para ficar, como a lepra, o tempo irá dizer”.
Assim se manifestava John Wesley, fundador da Igreja Metodista, nos EUA:
\”É uma pena que Satanás deva possuir as melhores melodias!\”
Qual é a origem da palavra “jazz”?
De todas as perguntas sem resposta, esta é a mais clássica delas. Existem várias suposições que dão uma pista para o que está por trás da origem da palavra “jazz”, mas nenhuma delas pode ser tomada enquanto verdade absoluta. São apenas hipóteses. Mas vamos a algumas delas.
Em 14 de novembro de 1916, o jornal New Orleans Times-Picayune fez uma primeira referência às então “jas bands”. Jas. Daí que pesquisadores trabalham com duas hipóteses para a origem dessa primeira forma de se referir ao jazz: a primeira remete a uma gíria utilizada por afro-americanos por volta da década de 1860, “jasm”, e que significa “vigor” ou “energia”.
De fato, o que mais chamava a atenção dos primeiros ouvintes de jazz na nova música era sua velocidade, sua “grande energia”.
A segunda hipótese é que “jas” fosse uma referência ao perfume de jasmim utilizado por prostitutas dos bordéis de Nova Orleans. O que é plausível, uma vez que o jazz se desenvolveu, em parte, como música tocada nesses bordéis.
Outra forma como a palavra foi escrita ao longo da história é a que vemos, por exemplo, na Original Dixieland Jass Band. Jass. E aqui, assim como no caso do perfume de jasmim, encontramos uma referência sexual: se tiramos a letra jota, sobra “ass”, uma possível referência ao traseiro de uma mulher (se nos lembrarmos de que “ass”, em português, quer dizer “bunda”).
De fato, o pianista Eubie Blake (1887-1983), em entrevista realizada em 1983, disse: “Quando a Broadway passou a utilizar o jazz, eles então o chamaram J-A-Z-Z. Ele não se chamava assim, mas sim J-A-S-S. O que era sujo, e se você soubesse do que se tratava, você não podia dizer isso na frente de senhoras”.
Segundo Christian Blauvelt, outra possível razão para a mudança de jass para jazz pode ter sido que “talvez na época em que o ‘jass’ saiu de Nova Orleans e chegou a Nova York, os bandleaders estivessem simplesmente cansados de baderneiros que tiravam o ‘j’ dos cartazes de anúncios das apresentações”.
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