A estranha relação entre Erik Satie e os artistas de sua época

Erik Satie

(Texto originalmente escrito por Aliette de Laleu para o site France Musique. A tradução aqui publicada foi realizada pelo editor do Terra da Música, Elvio Filho.)

Erik Satie é o que se pode chamar de um artista propriamente dito. Compositor, pianista, mas também desenhista e poeta aficionado por literatura e artes plásticas, ele cultivaria durante toda a sua vida relações complexas, porém criativas, com os artistas de sua época.

Nascido em Honfleur a 17 de maio de 1866, hoje – um século e meio mais tarde – sua música e seus escritos revelam uma personalidade única no mundo da música. Um “homem precursor”, como gostava de lhe chamar seu amigo Claude Debussy. Um vanguardista que inspirava seus contemporâneos, tanto na música quanto nas demais artes.

Seus primeiros encontros artísticos remontam ao fim do século XIX. Erik Satie frequentava então alguns cabarés, entre os quais Le Chat Noir (O Gato Preto), onde se deparava com figuras como os escritores Paul Verlaine, Stéphane Mallarmé, Guy de Maupassant… Ou a Livraria de Arte Independente (Librairie de l’Art Indépendant), onde se podia encontrar, por exemplo, o escritor Huysmans, ou ainda pintores como Odilon Redon e Toulouse-Lautrec.


"Uma noite no Le Chat Noir" - 
o local era ponto de encontro de artistas no final do século
XIX e início do XX.

Indiferente aos grupos de reflexão artística que se formam nessa época, Erik Satie era frequentemente solicitado por artistas e intelectuais no sentido de fazer emergir uma “nova música”. Um fenômeno que o perseguiria até o fim da vida e do qual ele permaneceria sempre bem distante.

Satie e os artistas: inspiração em via de mão dupla
Mergulhada no centro das questões artísticas da época, a obra de Satie se torna uma fonte de inspiração para artistas. O jovem escritor Marcel Proust, à época desconhecido, escreve um pastiche de Flaubert chamado Vida Social e Melomania de Bouvard e Péruchet, no qual cita Satie (ele também ainda pouco conhecido) e o põe no mesmo rol de compositores consagrados como Gounod, Verdi ou Wagner.

E se a obra de Satie inspira artistas, o próprio compositor se utilizaria também de recursos de outras artes. Em Sports et Divertissements (ouça ao lado), por exemplo, ele se associaria com o desenhista Charles Martin e criaria um álbum em “três dimensões”, misturando música, textos (que ele mesmo escreve) e desenhos.

Graças a esse “espírito aberto” em relação ao mundo das artes, Erik Satie suscita encontros prolíficos. Durante a Primeira Guerra (1914-1918), seu amigo escritor Blaise Cendrars organiza um festival chamado Instante Musical Erik Satie (Instant Musical Erik Satie), com concertos e uma exposição de quadros de Picasso, Kisling e Modigliani. O escritor e diretor de cinema Jean Cocteau vai ao evento e escuta a obra Trois Morceaux en Forme de Poire (ouça abaixo):

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Cocteau, então, procuraria Satie e sugeriria numerosas colaborações, dentre as quais Parade: um balé com cenário e figurino criados por Pablo Picasso. Um imenso escândalo… E o surgimento do primeiro desentendimento entre o escritor e o compositor, que não seria o último.

Apesar das diferenças, a relação de amizade entre Cocteau e Satie duraria sete anos. Um período marcado por projetos, como o nascimento do célebre Grupo dos Seis – Georges Auric, Louis Durey, Arthur Honegger, Darius Milhaud, Francis Poulenc e Germaine Tailleferre -, no qual Satie atua como mentor, ainda que não admita isso completamente. Ele continuaria a viver sua vida indiferente a grupos de reflexão, até a chegada do Dadaísmo. 

Satie e o Dadaísmo
Após a guerra, o surgimento do movimento artístico-literário Dadaísta coloca mais uma vez em evidência as obras de Satie, vistas como uma “anti-música”, um “anti-conformismo”. Tudo o que bastava para alimentar as expectativas de jovens artistas como Picabia, Aragon, Tzara, Breton… E colocar novamente o compositor na posição de mentor, à sua revelia.

Ele se vê novamente presidindo soirées no intuito de apaziguar tensões entre artistas seguidores do Dadaísmo. Encontros que de hábito acabavam em tumulto geral e que ele preferiria evitar. Se o compositor participa efetivamente do movimento, isso se dá escrevendo para revistas e se aproximando de alguns artistas, particularmente daqueles pertencentes ao grupo encabeçado pelo poeta Tristan Tzara.

O biógrafo Romaric Gergorin, em seu livro Erik Satie, lança uma hipótese que explicaria em parte o desinteresse do compositor em relação ao Dadaísmo: “Dadá era o movimento no qual Satie teria podido se desenvolver, mas que chega muito tarde. Ele já havia suficientemente contribuído com o vanguardismo ultrajante em sua juventude”.

Longe das preocupações dadaístas, Erik Satie continua a visitar artistas e a se inspirar em movimentos artísticos para criar suas obras. É o caso, por exemplo, de Socrate (ouça ao lado), trabalho concebido a partir do Cubismo. Aliás, não é à toa que ele se cerca de figuras como Picabia, Picasso, Braque, Brancusi, Derain, Léger, Duchamp… Tantos gênios com os quais ele mantém, em maior ou menor grau, ligações estreitas.

Ele continua a criar obras colaborativas, como La Statue Retrouvée, de 1923, dirigida por Cocteau, com figurinos de Picasso. Uma de suas últimas parcerias com o diretor antes que eles definitivamente rompessem relações.

Satie encontra então em Picabia um novo amigo. Juntos, os dois artistas criam um balé, intitulado Relâche, e o único carro-chefe cinematográfico do movimento Dadá: Entr’acte, de René Clair, com cenário de Picabia e música de Erik Satie (assista abaixo).

As últimas relações que Satie mantém com alguns artistas serão as mais fortes. Pois, no fim da vida, o compositor sofre com muitas críticas e se encontra bastante só – e bastante pobre. Braque, Derain, Léger, Picasso e Brancusi permanecem como amparos preciosos que ficariam ao lado de Satie até seu último suspiro, no dia primeiro de julho de 1925.

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