Por Elvio Filho
E 60 anos completa seu desdobramento para gravação de vídeo. Está curioso para saber do que se trata? Podemos adiantar que é uma história interessantíssima, que envolve Segunda Guerra Mundial, engenharia elétrica e Bing Crosby. Como isso tudo tem ligação, você fica sabendo ao ler o texto abaixo.
São Francisco, Califórnia, Estados Unidos. 16 de maio de 1946. Conferência anual do Instituto de Engenheiros de Rádio. No centro das atenções, John T. “Jack” Mullin, engenheiro elétrico e major do exército norte-americano durante a guerra, alternando entre uma performance musical ao vivo e uma gravação, faz a seguinte pergunta ao público: “Isto é ao vivo ou é uma gravação?”
Silêncio.
Ninguém sabia, mas tratava-se da primeira apresentação pública de um equipamento que viria para revolucionar o mundo da gravação, alterando significativamente o modo de registrar sons e imagens em movimento, e abrindo espaço, posteriormente, para o mercado de home media. O equipamento em questão, o magnetofone. Ou, mais simplesmente, o gravador em fitas magnéticas.
No entanto, embora tenha sido um norte-americano, durante um evento nos Estados Unidos, o primeiro a mostrar ao mundo a nova forma de gravação, não foi lá que o magnetofone surgiu. Mas onde foi, então? E por que ele foi apresentado pela primeira vez nesse país? Para entender melhor isso se deu, voltemos ainda mais um pouco na história.
Farnborough, Hampshire, Inglaterra. Duas horas da manhã de 14 de maio de 1944. A Segunda Guerra Mundial caminhava para seu fim. Tomado pela insônia, Mullin, que na época vivia nessa cidade e trabalhava em um laboratório de pesquisas da Força Aérea Real (RAF, na sigla em inglês) sobre radares, liga o rádio na estação Rádio Berlim, e a gravação da música que escutou o deixaria intrigado.
A obra era a Nona Sinfonia de Beethoven, executada pela Filarmônica de Berlim. Mas não foi a música em si que havia deixado Mullin confuso, mas sim a qualidade da gravação. O som era muito mais nítido do que aquele oferecido pelo disco de cera de 16 polegadas, até então a tecnologia de gravação mais usada no rádio. Além disso, não havia as habituais pausas de 15 em 15 minutos para troca de disco. Tudo isso fez Mullin pensar que se tratava de uma performance ao vivo, mas, devido ao horário, isso era impossível.
John T. “Jack” Mullin.
De fato, Mullin estava correto, havia algo de diferente na gravação da rádio alemã. Algo que todo o ocidente já pensava em fazer, mas ninguém ainda havia conseguido – exceto a Alemanha.
Jack Mullin ao lado de uma Ampex 200.
Até a Segunda Guerra Mundial, o meio utilizado por todo o mundo para realizar gravações em rádio era o fio magnético, recurso inventado pelo engenheiro dinamarquês Valdemar Poulsen em 1898, e aperfeiçoado, patenteado e comercializado por Marvin Camras nos anos 1930. Mas acontece que, desde 1934, a divisão de engenharia elétrica da Alemanha já começara a produzir um gravador em fitas chamado Magnetophon, que utilizava fita de plástico banhada por partículas magnéticas. Mais tarde, em 1941, esse tipo de gravação foi implantado em muitas estações de rádio ao longo da Alemanha, fazendo dela o único país a possuir tal tecnologia.
Mas se o recurso de gravação utilizando fitas magnéticas havia sido descoberto e implementado na Alemanha, por que então um norte-americano levou o mérito por isso? Razões políticas talvez expliquem. Deve-se lembrar de que nessa época o nazismo de Adolf Hitler imperava na Alemanha, um governo de atrocidades que viriam à tona no pós-guerra, tornando-se sinônimo de intolerância e algo a ser evitado.
Assim, uma vez a guerra tendo sido vencida pelos aliados, pode ter havido um esforço por parte dos vencedores no sentido de ocultar qualquer mérito que pudesse servir de propaganda para o nazismo. Além disso, não houve preocupação por parte dos alemães em patentear e mostrar ao mundo a nova forma de gravação. Mas como e quando Mullin finalmente teve contato com essa nova tecnologia? Mudemos mais uma vez o tempo e o espaço geográfico.
Paris, França. 1945, logo após o fim da guerra na Europa. Mullin é escalado para trabalhar na capital francesa, encarregado de descobrir o que os alemães produziram na área de comunicação durante o período do conflito. Em uma visita com esse objetivo à cidade alemã de Frankfurt, é avisado por um oficial britânico sobre a existência de um novo tipo de gravador presente em uma estação de rádio da cidade. Ele se encaminha até o local e ali encontra quatro magnetofones e 50 rolos de fita magnética. Em um telegrama para o exército americano, diz:
“Nós agora temos alguns desses equipamentos. Eu enviei dois deles para casa (São Francisco). Lembranças da guerra. Podia-se pegar quase tudo que se encontrava que não era de grande valor. E tudo o que a Alemanha fez era de domínio público – não era patenteado.”
Assim, de volta a São Francisco, Mullin trabalhou um pouco para tentar aprimorar os magnetofones e, no dia 16 de maio de 1946, durante a já mencionada conferência anual do Instituto de Engenheiros de Rádio, mostrou pela primeira vez ao público o novo aparelho de gravação em fitas magnéticas.
Popularidade
Após ser mostrado ao mundo, não demorou muito para que o magnetofone chamasse atenção de músicos e engenheiros de som, principalmente por conta da boa qualidade sonora que o aparelho proporcionava às gravações. O cantor Bing Crosby, ao ficar sabendo da novidade, logo decidiu contratar Mullin para que suas canções fossem gravadas utilizando o novo recurso – perfeccionista, ele odiava gravar seus shows em discos de cera, pois, segundo ele, o resultado sonoro era terrível. Assim, Crosby foi o primeiro cantor a gravar um programa de rádio em fita, que foi ao ar no dia primeiro de outubro de 1947. (Ouça ao lado uma das canções apresentadas no programa.)
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Consequentemente, a crescente popularização do magnetofone chamou atenção também de empresas interessadas em comercializar o produto. Foi o caso, por exemplo, da Ampex, que após trabalhos de aperfeiçoamento, em abril de 1948 passou a disponibilizar para venda o primeiro modelo comercial de magnetofone, chamado Ampex Model 200.
Do áudio para o vídeo
Após a gravação de áudio em fitas magnéticas ser consolidada, uma nova obsessão tomou conta das mentes de engenheiros eletrônicos da época: a gravação também de imagens em movimento. Assim, de acordo com Stewart Wolpin, em seu artigo Tape Recording Was Introduced 70 Years Ago Today, teve início uma verdadeira “corrida” entre Mullin, Ampex e uma gigante do ramo eletrônico, a RCA, para ver quem seria o primeiro a inventar o gravador de vídeo em fitas magnéticas.
Engenheiros da Ampex com o primeiro gravador de vídeos em fita.
A Ampex tinha a vantagem de estar associada a um instituto de pesquisa atualmente chamado Illinois Institute of Technology (Instituto de Tecnologia de Illinois), e de este ter em sua equipe Marvin Camras, aquele mesmo responsável por aperfeiçoar, patentear e comercializar o recurso de gravação por fio magnético. Seria ele o responsável por descobrir o mecanismo adequado para que fosse possível gravar vídeos usando fitas magnéticas.
Como resultado, no dia 14 de abril de 1956, há 60 anos, a Ampex disponibilizou o primeiro modelo comercialmente vendável do gravador de vídeos em fitas, chamado Mark IV.
A partir dos anos 1960 e 1970, tanto o gravador de áudio, quanto o de vídeo, respectivamente, seriam desenvolvidos de modo a democratizar o processo de gravação e possibilitar que qualquer pessoa pudesse gravar áudio e vídeo em sua própria casa. Surgia, assim, a revolução do home media que, é claro, continuou e continua evoluindo até os dias de hoje.
Da esquerda para a direita: Jack Mullin, o publicitário Frank Healey, o engenheiro Wayne Johnson e o cantor Bing Crosby.