Não por acaso, diz-se que Liszt está para o piano assim como Paganini está par ao violino.
Só olhar uma sua partitura provoca no pianista médio um certo senso de inquietude diante da perspectiva de ter que enfrentá-la: praticamente falando, sobre o papel há mais preto que branco.
Na época de Liszt (nascido em 1811 e morto em 1886) estava se afirmando a figura do pianista virtuoso. Uma definição de virtuoso poderia ser a seguinte: “aquele que executa uma coisa difícil fazendo parecer fácil”. Parece que Liszt inventou uma técnica particular para conseguir realizar as composições que jorravam de sua pena: a melodia era confiada aos polegares, enquanto todo o resto (arpejos, enriquecimentos, acrobacias variadas) era atribuído aos outros dedos. Desse modo, Liszt executava coisas extremamente difíceis fazendo parecer que eram somente difíceis, por isso a definição lhe cai como uma luva.
Retrato de Franz Liszt (1811-1886)
A palavra “virtuoso”, nascida com esse sentido técnico, sofreu, em seguida, uma deterioração semântica e talvez nos leve a pensar em algo que é somente técnica e nenhuma essência: ou seja, só para dar espetáculo, exatamente como aconteceu com a palavra “maneirismo”. Obviamente, e só escutar somente uma das composições de Liszt para nos darmos conta que não é este o caso.
Em geral, quatro eram as características fundamentais do toque de Liszt: sentimento, brilhantismo, força e precisão. Segundo testemunhos, Liszt não se limitava a tocar o piano: o atacava, o espremia, o virava do avesso extraindo tudo o que se podia extrair dele. Seu colega e amigo (pelo menos por algum tempo) Chopin, que por sua vez, preferia e ensinava um toque muito delicado, ficava realmente ansioso quando via chegar alunos, que lhes eram mandados por Liszt, que tocavam as suas composições com atitude feroz, dramaticidade acentuada e paixão desesperada.
Liszt, como muitos artistas, tinha um temperamento que se pode definir como complexo, na melhor das hipóteses, e instável na pior delas. Foi sempre igualmente sensível ao fascínio da espiritualidade cristã e ao fascínio das mulheres e, na tentativa de conciliar o próprio lado ascético com o mundano, atravessava ciclicamente crises místicas e crises depressivas. Pode-se imaginar que ele canalizasse para o piano a confusão que agitava a sua alma. Os testemunhos o descrevem como alto e imponente, com os cabelos compridos sobre os ombros, enquanto tocava com uma expressão, às vezes angustiada, às vezes exaltada estampada em seu rosto, fazendo vibrar até mesmo o chão da sala.
Às vezes, esses paradoxos se concluíam com a síncope do próprio Liszt, que desabava entre os braços do amigo que virava as páginas da partitura. Talvez fossem crises epiléticas, visto que Liszt tinha uma saúde frágil e desde pequeno tinha com frequência episódios de crises convulsivas; talvez fosse excesso de cansaço; as más línguas diziam que eram cenas para atrair mais a atenção do público.
Liszt não se sentia obrigado a se conter diante de trabalhos de outros compositores. Berlioz afirma que o ouviu interpretar de uma maneira até pessoal demais a Sonata para piano nº 14 de Beethoven, acrescentando cadências e trilos e mudando a velocidade de acordo com o seu próprio sentimento. Berlioz é a única testemunha deste episódio, por isso os críticos o aceitam com a devida cautela; mas se fosse verdade, não seria de fato estranho. Por outro lado, se há alguém que pode tomar liberdades com a música de Beethoven, esse só pode ser um pianista com excepcional talento e gênio como Franz Liszt.