Por Rosangela Lambert
É possível definir o que é música? Musicólogos, filósofos e historiadores conviveram por séculos com o caráter elusivo da música e em busca por uma definição. Neste artigo Rosangela Lambert nos oferece algumas reflexões muito interessantes.
De maneira simplista, podemos dizer que a música é a arte de organizar sons ao longo do tempo. Mas em que ponto esta organização torna-se arte? Por qual critério julgamos o que é organizado e o que não é? O que é esteticamente significante em música e o que não é? É razoável julgar padrões estéticos ou artísticos?
É possível definir música?
As muitas respostas a esta pergunta podem ser abordadas a partir de uma variedade de perspectivas. Físicos, matemáticos, médicos, psicólogos, sociólogos, entre outros profissionais – assim como o ouvinte leigo – poderiam responder a essa pergunta sob o ponto de vista de suas áreas de atuação ou conhecimento. Já, para um músico, essa resposta tem tudo a ver com seu envolvimento direto e pessoal no processo de criação, recriação e audição musical. Ainda assim, cabem diferenças de perspectivas. Um compositor vive a experiência musical de forma diferente de um performer ou improvisador e um professor de música é capaz de ser mais sensível às dificuldades em se atingir a perfeição, o grande alvo dos músicos!
São muitas as definições já propostas. Dentre elas podemos citar a de Hans-Joachim Koellreutter, que afirma que:
“A música é uma linguagem, posto que é um sistema de signos”.
Sob seu ponto de vista, ela é capaz de ampliar a percepção e a consciência, porque permite a vivência de fenômenos diversos, como a melodia, o ritmo e a harmonia. Obviamente, falar sobre parâmetros sonoros é falar sobre música, mas é preciso atentar que as características dos sons não são, ainda, a própria música. Ela não é melodia, ritmo ou harmonia; ela é também melodia, ritmo ou harmonia, dentre outras possibilidades de organização do material sonoro.
Para John Cage
“Música é sons, sons à nossa volta, quer estejamos dentro ou fora das salas de concerto”.
Segundo ele, a escuta torna música aquilo que, por princípio, não é música. Em sua concepção, a construção musical se dá no nível interno, pela ação de uma escuta intencional, transformadora e geradora de significados.
As muitas músicas da música
Em nosso dia-a-dia convivemos com música e não temos dificuldade em saber do que se trata. No entanto, as manifestações musicais são extremamente diversificadas: um concerto de orquestra sinfônica, um grupo de rock, de rap, um grupo de ciranda, de maracatu, a música presente na igreja, na roda de amigos que cantam na mesa de um bar.
Sabemos que todas essas manifestações são música, mas embora tão diferentes, o que elas têm em comum? Será que a música é uma linguagem universal? O que as caracteriza como “música”? A questão inicial já não parece tão óbvia.
De um jeito ou de outro, o fato é que a música se fez presente em todos os tempos e grupos sociais ao longo da história do homem. Porém, o entendimento do que vem a ser música sofreu transformações ao longo dos séculos.
Cada época histórica privilegiou um aspecto musical em detrimento de outro, relacionado com o contexto em que estava inserido e com a função social que cumpriu. Veja as duas representações da Grécia antiga e do antigo Egito.
As discussões sobre música ecoam desde a antiguidade grega. Platão, em muitos de seus textos, desenvolve uma ampla discussão estética e ética a respeito da música, que ele acredita ser, um dom divino. Aristóteles também se posiciona a respeito da música, questionando seu poder e a necessidade de constar em programas educacionais, pois tem (ela teria?) o poder de influenciar o caráter de uma alma. Já Pitágoras concebe a música como um sistema de sons e ritmos regido pelas mesmas leis matemáticas que operam na criação.
A história nos conta quão diversos foram os recursos, as formas, os estilos, os instrumentos e os materiais sonoros utilizados na concepção das músicas de cada época e lugar. O dinamismo é um dos aspectos marcantes da história da música. Embora notadamente diferentes, de um ponto ninguém discorda: ela é fruto de relações humanas com os sons.
“Compreendê-la ou tornar-se sensível a ela, tem por base padrões culturais construídos e compartilhados ao longo dos tempos. Portanto, mais adequado seria dizer que ela é um fenômeno universal, produzida em várias linguagens.”
Qual o valor da música?
Durante séculos, o músico foi excluído – e auto-excluiu-se – do fluxo da cultura, o que teve repercussões na própria vida da música. Reduzida a uma vida efêmera, muitas e muitas obras não passaram de uma única execução.
Muita coisa já mudou, mas o passado pesa ainda hoje sobre esta forma de arte. Diversa, não só pelo seu desenvolvimento histórico, mas também pela problemática e complexidade acerca de sua concepção e compreensão, a dicotomia entre música culta e música de tradição popular, também é um fator relevante para discussões (insolúveis!) acerca de valor.
Consideremos que não é o caso de se opor um padrão musical a outro; de colocar esta ou aquela música e montarmos uma escala de valores. Tal oposição não teria sentido, na medida em que a diversidade inerente à música faz parte da própria história do homem. É importante considerar o contexto no qual um determinado tipo de música surge e reverbera.
“Valorar sobre essa ou aquela música será sempre uma questão subjetiva.”
Música: como explicar?
Pode-se concluir, através dos diversos pontos abordados, que a música é uma linguagem que cumpre as funções expressivas e estéticas. Possui uma “sintaxe” própria e, sob o ângulo “semântico”, comunica significados através de conotações. Em cada lugar, em cada tempo e em cada contexto, uma ideia, um valor, um caminho…
As divergências e desencontros, os pontos de vista diversos ou antagônicos existem e sempre existirão. Na verdade, não há saber que esgote a realidade.