Turi Collura conversa com Sofia Kriger, cantora e musicista que do Brasil partiu em busca de seu desenvolvimento musical, e que hoje compartilha conosco a sua experiência de estudar música nos Estados Unidos.
– Turi Collura: Sofia, como está sendo a experiência de estudar música nos Estados Unidos?
– Sofia Kriger: Faz 3 anos que vim para os EUA. Inicialmente fui para NY para terminar o ensino médio em uma boarding school. Apesar de nova (estava com 16 anos), quis fazer o terceiro ano de ensino médio aqui porque já tinha certeza de que eu gostaria de fazer faculdade nos EUA. Tomei essa decisão quando eu tinha uns 15 anos, porque toda vez que eu falava que queria fazer faculdade de música no Brasil (lembro que queria Unicamp), perguntavam “música e mais o que?”, e eu pensava “como assim mais o que? Quero fazer musica e só. Nada mais”. Essa indiferença do “típico” brasileiro em relação à música como profissão me deixou indignada. Comecei a pesquisar sobre música nos EUA e fui ficando cada vez mais estimulada a vir para esse país onde a música é levada mais a serio. (E o engraçado é que todo mundo aqui nos EUA fica impressionado com o fato de a música não ser uma prioridade na vida das pessoas no Brasil, já que este é um país tão musical…).
Chegando em NY, descobri que tinham uma Jazz band na escola e fiquei muito interessada, claro… Tentei entrar na Jazz band mas o professor não me deu nem uma chance de ser entrevistada para a aula. Disse que não estava interessado em um(a) cantor(a) para a Jazz band. Seis meses depois esse professor faleceu e o novo professor estava mais do que interessado em abrir uma vaga para mim na banda. Fiquei chocada… Que inconveniência mais conveniente. Foi aí que eu finalmente entrei na banda.
– TC: Você foi estudar em Boston, uma bela cidade universitária onde é sitiado o Berklee College os Music, mas também outras faculdades de muita valia.
– SK: Eu comecei a estudar no New England Conservatory of Music, em Boston, em setembro de 2013 (o ano escolar começa no meio do ano nos EUA). Meu sonho era estudar no Berklee College of Music (e eu passei lá também) mas depois de visitar a faculdade pelo menos umas 4 vezes em 2012 (indo tomar um café com os estudantes de lá pra conversar sobre como era a vida deles na faculdade, conversando com professores etc) percebi que a faculdade se preocupa muito mais com dinheiro do que qualquer outra coisa. Primeiro vem o dinheiro, depois o estudante. Eles aceitam muita gente que não tem nenhum talento só pelo dinheiro que eles têm. A faculdade tem em média 4.200 estudantes. Eles são uma empresa multimilionária que cria “padrões” para uma pessoa ficar famosa. E apesar de eu querer ficar famosa pela minha música, é claro (quem não quer?), eu realmente queria focar em me tornar um músico de verdade (não alguém que segue “padrões” pra se tornar famoso) e depois pensar em “ficar famosa”. Meu namorado estuda na Berklee, no departamento de “produção e engenharia musical” e esse departamento sim, eu admiro. Eles têm uma tecnologia que eu nunca vi igual, muitos consoles de primeira mão (gastam milhões e milhões com esses equipamentos) e professores espetaculares. Não tem outro lugar melhor do que a Berklee para estudar engenharia musical.
The New England Conservatory of Music em Boston (NEC)
– TC: A Berklee atrai muito músico de talento, certo?
– SK: Sim, obviamente, existem muitos músicos talentosíssimos na Berklee. Músicos que eu admiro muito, mas simplesmente por essas razões de não colocar o estudante em primeiro lugar, eu preferi ir para o New England Conservatory (NEC), conservatório de música com uma média de 700 estudantes (contando com alunos de faculdade, pós graduação e mestrado), que na minha opinião, coloca os estudantes em primeiro lugar.
Uma gravação feita com alunos do NEC e da Berklee:
– TC: Estudar música nos Estados Unidos é certamente uma bela experiência. Como é a vida de estudante no College?
– SK: As faculdades de música aqui (pelo menos as que eu conheço) são divididas em departamentos. Por exemplo, o NEC tem departamentos de voice performance (ópera), diversos instrumentos de música clássica, composição (clássica), departamento de Jazz performance, Jazz composition, Improvisação contemporânea e muitos outros departamentos.
Fiquei um ano no CI e apesar de ter sido uma experiência incrível (improvisei com música chinesa, tenho vídeo disso!), musica do oriente médio, música brasileira, e outros tipos de musica que eram tão loucos que nem têm nome, rs) percebi que eu gostaria de focar mais em Jazz. Foi aí que troquei pro departamento do Jazz, e apesar de ser muito mais difícil do que o CI, em termos de estudo, eu estou amando… Tive chance de estudar com professores que são músicos incríveis – como John McNeil, Frank Calberg, Hankus Netsky, Dominique Eade, Bert Seager, Ran Blake e muitos outros com quem ainda estudarei.
– TC: Coisas boas e ruins da tua escola?
– SK: Coisas boas são que como a faculdade tem um numero bem pequeno de estudantes, e especificamente o departamento de jazz tem em média 100 estudantes e cerca de 10 cantores de Jazz no total, a atenção que nós ganhamos é muito maior. Podemos escolher qualquer professor que quisermos para ter aula particular com eles uma vez por semana. E não precisa ser da sua major (que no meu caso é Voz). Por exemplo, se eu quiser ter aula com um pianista de jazz porque quero melhorar no piano, eu posso. Se eu quiser ter aula com um saxofonista porque dizem que ele te ajuda bastante com sua improvisação, eu posso. No meu caso, eu escolhi ter aula de canto com a Dominique Eade e de piano com o Bert Seager. Se eu quiser ter aula com outra pessoa no semestre que vem, tenho essa liberdade.
– TC: Alguma matéria de que gostou (ou de que gosta) mais?
– SK: No meu primeiro ano de faculdade (quando eu estava no CI) estudei teoria musical tradicional, solfejo, treinamento auditivo avançado (identificar todo tipo de acordes, ouvir esses acordes e transcrever no papel, transcrever uma melodia, criar improvisações em cima de acordes tocados e o, mais importante, improvisar no instrumento exatamente o que você está cantando). Essa aula de treinamento auditivo avançado é o máximo… Já que a maioria dos instrumentistas estão acostumados a improvisar somente no instrumento, eles têm dificuldade em utilizar a voz. Então essa aula te ajuda a conectar voz e instrumento, não para o músico ter que cantar ou algo do tipo, mas para facilitar o modo de improvisação do músico.
Outras aulas que eu tive foram Long term melodic memory (que em português se traduziria como “memória melódica de longo prazo”). Essa aula te ajuda a desenvolver uma memória de longo prazo. Tínhamos uma aula de 2 horas por semana. Cada semana aprendíamos umas duas músicas e tínhamos que grava-las cantando e tocando a melodia em um instrumento sem nenhum acompanhamento. Na aula, improvisávamos com essas músicas e criávamos arranjos para as músicas. Também tínhamos que ouvir umas 15 músicas que o professor nos passava, e ouvi-las todos os dias durante a semana inteira, para elas realmente ficarem em nossa memória de longo prazo, e eles nos davam uma prova sobre as músicas todo começo de aula. Utilizamos o livro escrito pelo Ran chamado “Primacy of the Ear”, em português, um livro muito bom.
– TC: Como é o relacionamento entre os estudantes e com os professores?
– SK: O relacionamento com a maioria dos professores, na minha experiência, é super tranquilo (tirando o meu professor de teoria de Jazz, de quem eu ainda tenho um pouco de medo hahaha). Se você se esforça e leva a matéria a serio, eles te ajudam sempre que você pedir…
O relacionamento entre os estudantes é de paz e amor (pelo menos no departamento de Jazz e CI… música clássica aí eu já não sei…). Não existe aquela coisa de disputa, de um querer ferrar o outro, que eu já ouvi na Juilliard, já que é bom lembrar também que seus colegas de faculdade poderão no futuro ser alguém com quem você vai estar tocando, ou até alguém que possa te dar uma oportunidade de trabalho, né…
– TC: Planos para o futuro?
– SK: Apesar de música (especialmente Jazz) ser mais valorizada aqui nos EUA do que no Brasil, aqui também é difícil…
Quando saímos da faculdade, temos 1 ano para arranjar trabalho e um visto de trabalho para podermos continuar a morar nos EUA… e você sabe a burocracia que é…
– TC: Sofia, muito obrigado pelo teu depoimento, muito interessante e certamente muito útil para quem quer saber mais sobre a realidade musical nas escolas norte-americanas. Eu tive o prazer de tê-la como aluna de piano… mas não só de piano, não é? De fato nossos encontros eram um bom pretexto para seus primeiros improvisos vocais no jazz e no blues! Lembro exatamente de um momento em que você “entrou na música”, vi o brilho nos teus olhos… naquele momento você experimentou o néctar maravilhoso de Orfeu. Percebi o teu potencial, então “botei pilha” para que você abraçasse a música profissionalmente. E hoje fico muito feliz em vê-la crescer mais e mais, e desejo muito, muito sucesso para você. Que sua vida profissional seja sempre repleta de realizações e felicidade!! Até a próxima jam!!
– SK: Turi, obrigada a você, que me mostrou o caminho do Jazz e da música brasileira, e foi com você que eu desenvolvi um carinho pelo jazz e um prazer em improvisar… Eu tinha uns 12 anos mais ou menos quando comecei a estudar piano com você, né? E hoje em dia não acredito que levei tanto tempo para conhecer e gostar de Jazz e até da nossa própria MPB!! Agradeço muito a você pelo “puxão” que você sempre me deu para que eu levasse a música mais a sério quando eu era nova e não tinha certeza de que essa seria minha profissão. Agradeço também pelo apoio que você me deu quando tomei a decisão de me tornar uma musicista e tanta gente me dizia que isso não valia a pena, que música não é coisa séria. Muito ao contrário, estudar e tocar/cantar música não é para qualquer um. Muito sucesso para você também, Turi, e que você toque o coração de muitas outras pessoas com seu dom de ensinar, que também não é para qualquer um…
Até a próxima jam!!
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