Giant Steps: análise de um improviso

Coltrane e o improviso em Giant Steps

Por Turi Collura

Como funciona a improvisação que Coltrane cria na música Giant Steps? Qual o critério, o pensamento que ele percorre para sua criação extemporânea? É disso que falamos nesse artigo.

No artigo anterior chamado Harmonia: Giant Steps e os Coltrane Changes, analisamos a composição Giant Steps, do saxofonista John Coltrane, observando suas características harmônicas e compositivas. Dissemos que a composição está baseada em três pontos tonais equidistantes: Eb, G e B. Ao analisarmos a harmonia em volta desses três pontos, observamos a presença de seus acordes de dominante (V7) e de seus segundos cadenciais (II-V7). Vejamos a tabela a seguir:

A música é composta apenas por esses acordes, confira a partitura. A novidade compositiva reside, como dissemos anteriormente, no emprego de três pontos tonais equidistantes, buscando eludir a centralidade de uma tônica como ponto de convergência harmônico-melódica. Essa foi a “novidade” proposta, já o emprego de dominantes e de II-V é algo comum na linguagem tonal.

A improvisação sobre Giant Steps
Como funciona a improvisação que Coltrane cria nessa música? Qual o critério, o pensamento que ele percorre para sua criação extemporânea? Antes de procedermos à análise do improviso, podemos assistir ao vídeo a seguir.

O efeito sonoro da improvisação coltraneana nessa música é incrível, não é? Vamos, então, observar sua melodia “ao microscópio”, para descobrir seus “segredos”. Para isso, preparei uma transcrição, ao longo da qual indiquei os graus da melodia em sua relação com seus acordes. Os números em vermelho indicam as notas da melodia que pertencem aos acordes, isto é, as notas dos arpejos (1-3-5-7). Logo observamos a grande quantidade de notas de acorde, que chamamos de “notas alvo” (veja o artigo Cada nota da escala com sua personalidade):

Indiquei com a cor verde as notas de passagem, como o 2º grau ou o 6º. As áreas indicadas com os quadrados cor-de-rosa, indicam notas – ou grupos de notas – de aproximação á nota sucessiva (ou à última nota do grupo) – para aprofundar esse conceito, refira-se ao artigo citado acima.

Improvisação – primeiro chorus

 Analisando o solo
– O solo começa no compasso 17, em que se encontra o II-V7 de BMaj7, primeiro acorde da música. Neste compasso, temos o arpejo de C#m7 (1-3-5-7), cuja última nota (o si natural), cria uma nota de aproximação cromática superior à nota lá#, 3º grau de F#7. A última nota do compasso 17, sol#, é, também, uma nota de aproximação à primeira nota do compasso 18, em que temos um arpejo sobre BMaj7;
– Sobre o acorde D7 do compasso 18, encontramos a sequência de notas 1-2-3-5. Essa é uma sequência bastante recorrente ao longo do solo. No trecho que analisamos, observamos, por exemplo, sua presença nos compassos 23, 28, 30, 32. De fato, a adição do 2º grau a uma tríade – maior ou menor – enriquece muito sua sonoridade, possibilitando, a criação de grupos de quatro notas, muito úteis aos improvisos;
– Compassos 18-19: a frase sobre D7 resolve no acorde GMaj7, assim como a frase sobre o Bb7 resolve no EbMaj7 do compasso 20;
– Notamos a linda frase em arpejos do compasso 21, que resolve sobre a nota si do compasso 22. Este último contém dois arpejos ascendentes;
– Compasso 23: sequência 1-2-3-5 sobre cada acorde;
– No compasso 26 há uma escala be-bop de Bb7 (para as escalas bebop com função de dominante, veja um estudo clicando aqui);

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– O compasso 26 é bem interessante: a segunda nota (lá b) constitui uma aproximação à nota sol, terceiro grau de EbMaj7. Seguindo, as notas ré e fá constituem uma dupla aproximação à nota mib; logo depois, temos mais duas notas de aproximação (novamente ré e fá) que preparam a nota mi, do início do compasso 27. A prática de grupos de notas de aproximação que preparam a chegada da nota de resolução, é uma característica marcante do jazz, especialmente a partir da metade da década de 1940, quando se afirma o assim chamado estilo be-bop;
– Compasso 28: trecho da escala de sol maior – descendente e, logo depois, ascendente. Observe que o compasso 29 apresenta um desenho parecido com o do compasso anterior, agora adaptado aos novos acordes, criando uma espécie de “cromatização”, em relação à frase anterior;
– Compasso 30: novamente uma sequência 1-2-3-5, seguida por um belo cromatismo que se move em direção à nota fá do compasso 31. Na segunda parte deste compasso encontramos um grupo de quatro notas que se movem em direção à sua resolução na nota mib, primeira nota do compasso 32. Aqui temos um arpejo de mib que fecha o primeiro chorus de improviso.

Algumas Observações
Podemos catalogar a abordagem à improvisação de Coltrane na música Giant Steps como “vertical”, isto é, baseada, de forma geral, na condução dos arpejos e na sua preparação/ligação através de cromatismos ou notas de aproximação. Nenhuma novidade, nesse sentido, na improvisação. Todavia, devido à velocidade da música e aos encadeamentos inusitados dos acordes, é preciso estudar de forma peculiar para obtermos um bom resultado estético.

Hoje em dia, estamos acostumados à essa música e à suas sequência de acordes. Os estudantes de jazz a têm como um modelo e desafio a ser enfrentado. Mas quando a música apareceu pela primeira vez, em ocasião de sua gravação, improvisar sobre seus acordes causou sérias dores de cabeça aos outros músicos.

As sessões de gravação do disco “Giant Steps” tiveram a participação de grandes músicos: além de Coltrane ao saxofone, havia Paul Chambers ao contrabaixo, Art Taylor na bateria, Tommy Flanagan ao piano (Wynton Kelly substituiu Flanagan na música “Naima”). Flanagan era um grande pianista; mas… observem o solo dele na gravação do disco: ele está perdido, esboça umas ideias ao piano, logo depois desiste, deixando um vazio até Coltrane entrar para “pegar de volta” o solo. Antes de Flanagan, outro grande pianista, Cedar Walton, tinha sido chamado para gravar… mas recusou-se a solar. “Aquela música era muito difícil para mim”, afirmou certa vez Walton, em uma entrevista, lamentando ter declinado o solo. “ Eu era muito jovem, deveria ter feito o que Tommy Flanagan fez”. Referia-se à possibilidade de solar “assim como daria”, mas o solo de Flanagan não foi bom, deixando uma “ferida aberta” no coração do próprio pianista.

Anos depois
Anos depois, quando a música se tornou um cult entre os jazzístas, vários músicos, entre os quais Rahsaan Roland Kirk, Pat Metheny, Buddy Rich, Jaco Pastorius, Mike Stern, Greg Howe, McCoy Tyner, Kenny Werner, Kenny Garrett, Woody Herman, New York Voices, Taylor Eigsti, Gary Bartz gravaram suas versões de Giant Steps. O próprio Tommy Flanagan, em 1982, gravou um disco em homenagem ao defunto Coltrane. O titulo do disco? “Giant Steps – In memory of John Coltrane”.

A versão da música no disco de Flanagan é mais lenta, e não me parece deixar nenhuma marca relevante, não obstante os evidentes esforços do pianista para “fazer bonito”.

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Em 1991, o pianista McCoy Tyner – que foi o “pianista oficial” de Coltrane de 1961 até 1965, além de amigo e parceiro musical – gravou sua versão de “Giant Steps” no disco “Remembering John”. Versão incrível, a de McCoy, nesse disco! Entrevistado a respeito dessa gravação, Flanagan respondeu, bem-humorado: “Bom, ele teve trinta anos para estudar essa música!”.

Veja um vídeo ao vivo em que McCoy Tyner toca Giant Steps em piano solo.

Espero tenham gostado de analisar esse solo. Uma sugestão: “roubem” dele algumas frases com movimentos V-I ou II-V-I. Vale a pena!
Até a próxima!

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