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O blues na linguagem jazzística – parte 2

O blues na linguagem jazzística – parte 2

Por Turi Collura

Clique aqui para ler a PRIMEIRA PARTE do artigo.

Em 1959, o trompetista Miles Davis lança seu disco Kind of Blue. Quando jovem, Miles participa do movimento be-bop (década de 1940), aderindo à estética da muita densidade harmônica, rítmica e melódica, das dissonâncias (o próprio termo be-bop, onomatopeico, procede da entoação de um intervalo de trítono descendente, que se torna o símbolo do movimento).

Em seguida, Miles toma distância da estética be-bop. Do disco Kind of Blue vamos ouvir aqui duas faixas. A primeira, chamada Freddie Freeloader é um blues em Si bemol, com uma estrutura de 12 compassos simples (observe na “casa 1” o acorde final de Ab7).

Freddie Freeloader

A segunda música do disco Kind of blue que analisamos é chamada All Blues. Mais uma vez, temos uma estrutura de 12 compassos. Estamos na época do assim chamado “modal jazz”, em que se buscam sonoridades novas através do uso de escalas “exóticas” e harmonias um pouco diferentes. Observe que a cifra correta do segundo acorde é C7/G, o que vem a ser, de fato, um Gm7 dórico. Miles brinca, então, com a alternância maior/menor (entre G7 e Gm7).

All Blues

Em 1960, o saxofonista John Coltrane lança um disco que senha um marco importante na história do jazz: Giant Steps. Ao pé da letra Passos de Gigante, a publicação traz novidades compositivas relevantes, como, por exemplo, nas músicas como Giant StepsCountdown, Syeeda’s song flute ou Spiral. Mas ha um maior espaço para o blues nas músicas Cousin Mary e Mr. P.C. A seguir, vejamos essas duas músicas:

Mr PC

Podemos observar que se trata de um blues em menor de 12 compassos, bastante “tradicional” em sua sequência harmônica, que introduz apenas o Ab7 (na análise harmônica é um Sub V7 de D7, acorde com função dominante que resolve no G7 seguinte).  Do ponto de vista melódico observamos que fica respeitada a estrutura A, A, B, com a pausa no quarto compasso de cada frase. Já, ao ouvir a improvisação, podemos reparar o quanto esta se afastou da linguagem original do blues.

John Coltrane escreve muitas composições na forma de 12 compassos. Entre muitas, lembramos aqui, ainda, Blue TrainMr Day, Up against the wall, Blues minor, Some other blues. Observamos a forma de Cousin Mary:

Cousin Mary

Os exemplos de composições jazzísticas que contemplam o blues e sua estrutura de base são muitos. Citamos, ainda, Blue Monk do pianista Thelonius Monk.

Blue Monk

O blues no jazz contemporâneo

O blues é um ótimo material para as Jam Sessions dos músicos de jazz (os encontros informais em que os músicos se reúnem para tocarem juntos improvisando sobre um repertório comum; o blues, nesse sentido, é um denominador comum a todos os músicos). Muda, conforme a corrente estilística (por exemplo, o be-bop, o hard-bop, o free), a linguagem melódica utilizada para sua improvisação.

Em 2009, o anual Festival de Jazz no Japão chamado Live under the sky viu em seu palco um grupo formidável composto por Dave Liebman (sax), Wayne Shorter (sax), Richie Beirach (piano), Eddie Gomez (baixo) e Jack DeJohnette (bateria).

O nome do show: Tribute to John Coltrane. Ao lado podemos ouvir sua versão de Mr. P.C. Comparando-a com sua versão original, podemos observar uma linguagem mais contemporânea, que leva a performance humana até o extremo!

Como escrevi no começo desse artigo, a história do jazz está tão intimamente ligada ao blues que sua relação não pode ser facilmente resumida sem cometer erros ao tentar fazê-lo. Aliás, podemos afirmar que estudar exaustivamente a relação do blues com o jazz equivale a estudar por completo a própria história do jazz!

Espero que após esse breve trajeto que evidenciou alguns momentos importantes da história do jazz, tenham conseguido visualizar como a estética do blues permeou no jazz de forma tão profunda e entender alguns aspectos, como a forma de 12 compassos.

Até jazz!

Turi Collura

Turi Collura é pianista, compositor, músico profissional. Atua como professor em Cursos de Pós-Graduação, em Conservatórios e Festivais de música pelo Brasil e no exterior. Formado na Itália em Disciplinas da Música (Bolonha) e na Escola de Jazz (Milão), é Mestre pela UFES, e Pós-graduado pela mesma Instituição. Turi é Coordenador Pedagógico do Terra da Música e Professor de alguns cursos online. É autor de métodos em livros e DVD (Improvisação, Piano Bossa Nova, Rítmica e Levadas Brasileiras para Piano), alguns dos quais publicados pela Editora Irmãos Vitale e com tradução em inglês. Ativo na cena musical como solista, músico de estúdio e arranjador, tem participado da gravação/produção de diversos discos. Em 2012, seu CD autoral “Interferências” ganhou uma versão japonesa. Seu segundo CD faz uma releitura moderna de algumas composições do sambista Noel Rosa.

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